Dançantes e Abatazeiros
Entrevista com Luciane
Dançante da Casa
Maio 2014
Luciana (LU): Meu nome é Luciane. Nasci dia 13 do 11 de 75. Sou do interior, de Bacabal. Aí a minha família depois mudou pra cá. Moro há uns dezoito anos aqui. Estudei até o ensino médio. A profissão é serviços gerais, que eu trabalho de limpeza numa escola. Tenho quatro meninos. Moro aqui perto, na Coréia de Baixo.
João Leal (JL): Como caiu no santo? Como é que começou a vir aqui no terreiro? LU: Perto de minha casa tem uma casa de Umbanda, entendeu? O dono de lá é seu Surrupira. A dona da casa, a mãe de santo, é dona Florinda. Aí, comecei só ir assistindo o tambor, entendeu? Aí meus filhos nessa época eram muito pequenos. Aí eles viam. Eles tinham vultos dentro de casa. Era da família do meu pai que tinha essas [coisas], entendeu? E aí eu via isso. Não deixavam eu dormir dentro de casa e aí eu sempre ia pra lá [casa de Umbanda] participar de sessão, tudinho. Só que lá na casa dela, ela me queria, mas era assim como uma servente. Aí eu vi que não tava dando certo. Faziam um remédio, aí meus filhos acalmavam. Fazia um remédio pra uns tempos sem eu ver. Eu cheguei a ver eles um ano e pouco, quase dois anos em cima da casa. Como essa criança ia aparecer em cima da casa? E o trabalho pra descer! Eram coisas assim que não tinham noção. Aí, foi quando uma filha de Jorge Babalaô que mora na minha rua, ela viu o que tava acontecendo comigo e ela disse pra mim: “Luciane, tem um irmão-de-santo meu que tá abrindo uma casa, entendeu? [Que era pai Wender] E eu vou te levar lá pra ti conversar com ele, ver como é que vai ficar, tá bom?” Aí foi que ele me trouxe pra cá. Aí eu comecei aqui também como servente. JL: Isso foi quando? LU: Eu acho que de santo feita eu já tenho oito anos. A casa há mais tempo era totalmente diferente. O barracão era lá em cima. Era só aquele cimento varrido. Aqui tinha uma descida, era totalmente diferente, entendeu? Aí foi que ela me chamou pra vir pra cá. Eu vim. Aí comecei servindo. Tava tendo uma sessão, ou um tambor. Aí eu servindo lá, eu passava mal. Aí foi uma estória. Quando ele botou búzios tava dando. Não passou muito tempo e eu já entrei pra ver como é que era. JL: Então, foi feita há oito anos? A iniciação ficou completa? LU: Ainda não tenho completa. Tá faltando, entendeu? Já era pra mim ter terminado de ter feito já. Mas eu fico só... relaxei um pouquinho, mas já era pra mim ter terminado de concluir tudo. JL: Aí quando começou a vir aqui na casa, começou dançando, as coisas deram uma melhorada? LU: Melhoraram e muito. Muito e muita coisa mesmo. Eu era muito danada. Eu tinha uma vida muito complicada. Depois que eu vim e passei a dançar mesmo, aí meus filhos mudaram, pararam de ver de essas coisas, entendeu? Aí, minha família também ficou muito complicada, porque a minha mãe era evangélica e eu nesse tempo, não trabalhava, dependia dela. Aí, ela chegava na minha casa e eu corria e pegava tudinho [as roupas de santo] e escondia, entendeu? Até eu enfrentar ela. Chegou a dar parte de mim no Conselho Tutelar, porque ela não queria ficar com meus filhos pra mim vim pra cá. Já chegou uma vez de eu estar vestida de branco pra mim vim pra cá e o Conselho Tutelar chegar na porta da minha casa. E eles não tavam lá em casa. Tavam com ela. Só que ela queria que eu largasse e eu disse lá pró juiz que eu não ia largar, porque minha mãe era evangélica e eu não estava mexendo com ninguém. E eu não ia largar isso aí. Depois ela foi lá e retirou a queixa, entendeu? Aí ela me largou de mão. Hoje em dia ela chega lá, tá lá minhas roupas, eu não tiro. Tudo normal. Mas passei muita coisa por causa disso. JL: Então, na família teve preconceito? LU: Teve sim. Até hoje tem meus irmãos. Que ele [um dos irmãos] diz que no dia que ele me vir assim… aí fala uns nomes feios. Então, eu evito. Assim, ele é muito complicado, porque ele mora com minha mãe e eu tenho minha casa. Então, não tem porque ele me ver. Então, fica uma coisa assim que eu sei como meu encantado é. Aí, se meu irmão bater de frente com ele vai ter uma coisa muito feia, né? Porque ele é homem e os dois são homens, entendeu Não vai dar certo. Eu evito esse tipo de coisa. |
«A casa há mais tempo era totalmente diferente. O barracão era lá em cima. Era só aquele cimento varrido. Aqui tinha uma descida, era totalmente diferente, entendeu?»
JL: Mas no trabalho as pessoas sabem que você vem aqui na casa?
LU: Não! Não! Não sabem não. Eu não misturo trabalho com... JL: Acha que as pessoas não iriam entender, é isso? LU: É porque eu não falo da minha vida pessoal no meu serviço. Eu não falo. Lá dentro é só o meu trabalho e pronto. Eu não misturo, tanto na minha vida espiritual quanto na minha vida pessoal. Eu não falo lá dentro do meu serviço, não. JL: Mas acha que as pessoas lá têm preconceito? LU: Com certeza, porque o diretor da escola ele é evangélico. Ele é muito fechado. Aí eu nunca falei lá dentro, não. JL: E vizinhos? LU: Os meus vizinhos todos sabem. JL: O seu encantado vem só nos toques? Ou também lá em casa? LU – Em cima de mim ele vem mais é aqui. Na minha casa, não. Ele é assim: terminou o tambor, ele é acostumado assim, ir embora, se for de carro, meu padrinho de santo leva ele pra casa e deixa ele lá. E lá ele vai embora, entendeu? Mas, eu estar em casa e ele me pegar lá, no meio da rua, não. JL: Quais são as entidades que recebe? LU: Sou filha de Ogum. Meu gentil é o filho de Dom Luis, o Luisinho. O meu turco é seu Sentinela de Légua, da família de Légua. É o único farrista assim que fica dentro de mim, entendeu? Pra ficar mesmo assim, é ele. Da família de Bandeira é seu Caçará. Princesa é princesa Diana, entendeu? Ela é da família de Bandeira. JL: Princesa é mais raro baixar? LU: É. Princesa é mais tambor de Santa Luzia que às vezes vem senhoras e vem princesas. Ai tem umas datas, entendeu? Mas às vezes elas vêm e não vêm. Quando tem tambor pra princesa, às vezes elas vêm e às vezes elas não vêm. JL: Quando tem dificuldades, problemas, pede pra quem? LU: Pra meu senhor Ogum. Primeiro é ele. Eu fui feita pra ele. Ele só vem se ele deixar, entendeu? Se ele abrir caminho pra ele deixar. Se não ele não vem, não vem. JL: O transe como é que é? Como você sente chegar? LU: É uma coisa inexplicável, mas eu sinto que eu vou ficando assim toda grandona. É uma sensação muito…. É assim, inexplicável, entendeu? A gente sente uma coisa. Mas dá um desânimo. Eu não sei explicar. JL: Depois não lembra nada? Ou lembra alguma coisa? LU: Não, eu não lembro nada. Só sei das coisas porque as pessoas me contam depois, entendeu? Mas lembrar de alguma coisa, não. JL: E das festas e obrigações da casa qual é a que gosta mais? LU: É. Eu gosto muito dessa época, do Divino. De Dezembro, que é uma festa também do dono da casa, de Janeiro que é tambor de Reis. Mas todas são boas. JL: Há pessoas que dizem que o terreiro é uma espécie de família. O que é que você acha? LU: É família porque é todo o mundo igual a fazer a sua vida aqui, entendeu. É uma coisa mesmo. Você tem a sua vida pessoal lá fora, mas aqui a sua vida espiritual é outro lado da tua vida também. Aqui dentro é uma parte. Eu acho. JL: E as pessoas se ajudam aqui? Se precisar de alguma coisa você pode contar as dançantes? LU: Pode. Qualquer um pode. JL: E o pai de santo? LU: Qualquer coisa. Tudo. Conversar com ele, não é só aqui não. Mas, sem ter tambor, sem nada. Se você quiser conversar com ele é um pai maravilhoso. Ele é um amigo. Ele vai conversar com você como amigo. Desabafa com ele. JL: Então, aqui no terreiro é uma parte importante da sua vida? LU: É. Com certeza. |